segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Design de cabeceira

Costumo dizer para os meus clientes que escrever, editar e publicar um livro é como ter um filho. Emprega-se nisso o corpo — o design do livro — e a alma — o conteúdo.

Trabalhar com design editorial sempre me dá prazer. Principalmente, quando são livros publicados pelo próprio autor, sem a interferência das editoras. Ouvi-lo contar a história da obra faz com que o design adquira a sua alma, a sua essência.

O design de livros é uma grande mágica em que as palavras se transformam em capas, lombadas, orelhas, páginas...

Adequar cada um desses aspectos à personalidade do autor é um trabalho minucioso que exige sensibilidade e — lógico — criatividade.

Para isso, um bom papo sempre ajuda. Mas prefiro mais: um encontro para um café, espairecendo em meio às histórias que levaram o autor a criar.

Esse contato é essencial — e sempre que possível faço uso dele.
Para que a mágica do design de um livro ocorra, alguns predicados são essenciais:

• sincronia perfeita entre a escolha tipográfica e o tema abordado;
• conjunto equilibrado — mesmo que o resultado desejado seja o desequilíbrio — entre corpo, entrelinha, interletragem e os espaçamentos existentes nos textos;
• adotar critérios de leiturabilidade e de legibilidade de acordo a edição;
• pensar na numeração e textos de cabeça de página ou rodapé — quando existirem — de modo que componham com o texto de miolo e não apenas posicioná-los como meros detalhes sem importância;
• perceber que as margens, áreas “em branco”, podem ajudar na leitura e facilitar o entendimento. Por isso, devem ser bem posicionadas, planejadas;
• capas, lombada e orelhas, quando existirem, devem formar um conjunto — mesmo que sejam totalmente distintas; e devem estar em sintonia com o design do miolo;
• usar as cores como complemento da informação e não como um enfeite colorido para chamar a atenção — alguns temas e propostas podem funcionar bem melhor com capas em preto-e-branco;
• pensar na capa como um convite que deve possuir algo que cause a curiosidade, que instigue à compra. Uma boa capa faz com que o leitor tenha vontade de ler o texto da 4ª capa, orelhas, saber mais sobre o livro. Uma boa capa não deve passar despercebida aos olhos do leitor; para isso, imagine como ela funcionaria em meio a tantas outras capas, imagens e olhares em uma livraria;
• conheça tudo sobre papéis, acabamentos gráficos, impressão e tenha mostruários de todos estes itens. Saiba escolhê-los e adequá-los ao conjunto. Papel, impressão ou acabamento mal escolhidos podem destruir um bom projeto. Veja o papel como a pele que cobre o corpo — que é o texto — e os acabamentos e impressão como as roupas que podem fazer com que este papel se torne perfeito, facilitando o toque e leitura, ou um ruído de comunicação dificultando todo o entendimento;
• e, lógico, elabore tudo de acordo com o público, mercado e proposta no contexto em que a obra será inserida. Mas leve em consideração a personalidade e o estilo do autor. Eis a alma do livro!
Os detalhes de criação fazem com que o design de um livro seja o elemento de magia gráfica responsável pelo primeiro efeito da história sobre o público.
Depois deste conjunto visual a magia se faz no texto, mas ainda assim é um texto impregnado de design pelas formas e delicadezas da tipografia, do toque no papel.

Que tal?... Pense nisso no próximo livro que você tocar, ler ou criar.

Para ver: do grande Peter Greenaway — pelo menos eu acho maravilhoso e com obras que fazem do design parte integrante da sua linguagem:
O Livro de Cabeceira
Para ouvir: “Livros” de Caetano Veloso.
Márcia Okida é designer gráfico, vice-presidente da Associação Cultural Vontade de Ver. Professora nos cursos de Produção Multimídia, Jornalismo e Publicidade & Propaganda; coordenadora de Produção Multimídia. Universidade Santa Cecília (UNISANTA). www.marciaokida.com.br/blog . E-mail: okida@uol.com.br

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Designville

Dessa vez, decidi mudar um pouco de tema, mas sempre falando de design. Vou tratar aqui da forte relação entre a direção de arte para teatro — principalmente da cenografia — e o design gráfico.

Teatro é mais uma das minhas paixões. Por vezes, é também o meu trabalho e, por outras, um grande prazer sem retorno financeiro, mas que sempre acrescenta muito ao meu repertório visual, emocional e cultural.

Decidi por esse tema porque em 27 de abril tivemos a presença aqui em Santos, para a aula magna do curso que coordeno, da diretora de arte, cenógrafa, roteirista e diretora de cinema, Daniela Thomas, que nos brindou com slides de seus cenários para teatro e instalações. Com uma linguagem totalmente multimídia e repleta de design, nós — professores e alunos — pudemos observar o quanto essas duas áreas são próximas e fazem uma troca constante de linguagem e de elementos.

Normalmente, quando falo sobre a relação design/teatro, logo acham que estou falando da criação dos cartazes de teatro, seus folders ou outros materiais impressos necessários para uma produção teatral.
Para mim, essa relação vai além.

Dou uma aula em que comparo a criação de um cartaz com a visão que o público tem de uma cena teatral:

• o fundo, background do cartaz, sua cor, sua imagem, seria a cenografia da peça. Nos dois casos, esse “fundo” é responsável por criar um clima, em dar suporte as histórias contadas, ou aos outros elementos gráficos. Uma cenografia ou um background mal resolvido, pode atrapalhar o entendimento da mensagem;

• a tipografia — o texto — seria o figurino. A roupa de um ator é a responsável por carregar a mensagem que ele vai transmitir de forma visual. A tipografia em um cartaz carrega em suas formas a identidade gráfica da mensagem a ser transmitida;

• a mensagem a ser transmitida no cartaz é a dramaturgia feita pelo ator. Ator que veste o figurino, a mensagem que se veste da tipografia;

• demais elementos visuais como fios, boxes, retículas, mais fotos e demais adereços gráficos seriam os elementos, objetos de cenário. Ambos complementam a mensagem agregando mais informação ao conteúdo que é transmitido;

• e, para terminar, temos no cartaz o tipo de papel, a gramatura, o cheiro, a textura que, sinestesicamente, ajudam a fazer com que a proposta seja completa desde a primeira imagem até o contato com o público no toque dos dedos. No teatro, temos a luz, a sonoplastia, o uso possível de aromas que ajudam na construção psicológica da peça. Mesmo não sendo percebidos — como uma boa sonoplastia que não deve ser percebida de forma consciente ou a textura do papel que nem todos percebem —, sempre agregam informações e afetam a sensibilidade de quem vê.
Essa aula eu denomino de adaptação de linguagem. Nela, eu falo sobre como outros meios de comunicação — ou de expressão como o teatro, o cinema e a música — podem “emprestar” imagens, formas e conceitos ao design gráfico. No final, sempre criamos um cartaz — vendo ou lendo uma peça — ou então criamos uma proposta de direção de arte vendo um cartaz.
No caso do teatro, as possibilidades são múltiplas. A tridimensionalidade da peça — personagens e objetos reais dispostos em um tablado — se transforma em uma imagem bidimensional se analisada do plano do espectador que, mesmo percebendo e sabendo da profundidade ali existente, vê um plano geral formado pelo que chamamos de a quarta parede do teatro — que existe mesmo quando uma montagem teatral trabalha com a quebra dessa parede, ou seja, com a não-existência do limite ator e público.

Entender cada objeto, cada figurino, cada som, a luz, cada elemento da cenografia como um elemento gráfico, é um exercício de adaptação de linguagem. O bom entendimento dessas duas formas de representação — teatro e design — só faz agregar mais possibilidades de ver e, principalmente, de sentir, já que no teatro os sentidos estão mais presentes. Já no design poucos sabem usar os sentidos na criação gráfica.

Agregar uma possibilidade de som, aroma e textura em um projeto gráfico faz com que no final o seu espetáculo mereça muitos mais aplausos. Experimente na próxima peça fazer esse exercício para o seu olhar e sensibilidade.

Márcia Okida é designer gráfico, vice-presidente da Associação Cultural Vontade de Ver, professora universitária nos cursos de Jornalismo e Produção Multimídia e coordenadora do curso de Produção Multimídia, da Universidade Santa Cecília — UNISANTA
okida@uol.com.br

publicado na revista Zupi -
13/05/2009

terça-feira, 24 de março de 2009

O Curioso Caso da Tipografia e do Design

A sala escurece e elas surgem com movimentos e entradas, envolvidas por imagens, grafismos ou efeitos especiais. Muitos continuam conversando. Poucos prestam atenção ou entendem como podem contar uma história e preparar um ambiente para a magia do cinema.

Às vezes, elas aparecem ao final do filme e o mesmo se repete, com a grande maioria do público saindo logo após a última fala. Raros são os que ficam para ver os créditos finais que, por vezes, continuam contando a história.

Sou apaixonada por aberturas, créditos de filmes, pela tipografia e por como ela é uma parte importante da história que será contada. A preocupação com a tipografia deveria ser comum entre designers, mas conheço gente que não dá a mínima para o seu uso no cinema.

Não devem ser escolhidas apenas pelo conceito de legibilidade, leiturabilidade ou por serem "parecidinhas" com o estilo do filme. Devem possuir em seu corpo hastes, serifas, um pouco da alma, da personalidade do filme. É o que chamo de sinestesia tipográfica.

Bolds, lights, versaletes, itálicas, rebuscadas, clássicas ou ultra modernas. Romanas ou góticas. Com serifas ou sem serifas que podem ser retas, volteadas ou angulosas. As possibilidades são diversas, mas essa diversidade deve representar exatamente o filme que iremos assistir.
Algumas aberturas, ou encerramentos, são inesquecíveis. Poderia citar aqui a abertura de "Prenda-me se for capaz" e o encerramento de "Wall-E", que tem toda a minha torcida para vencer os prêmios do Oscar aos quais concorre. Nesse caso, mais específico do encerramento de "Wall-E", quem saiu antes dos créditos finais não viu a continuação da história. Simplesmente uma obra de arte dentro de outra.

Em tempo de Oscar 2009, quero falar aqui dessa delicada e criativa relação entre o design, a tipografia e o cinema nos créditos dos cinco filmes que concorrem a melhor filme este ano. Gostaria de falar de seus cartazes também, alguns deles maravilhosos, mas fica para outra oportunidade.

Recortes de jornais, revistas, cartazes de lojas nas ruas, letreiros e fachadas. Uma tipografia que mescla a força do poder e da vontade de uma comunidade. Força política estampada nas letras clássicas dos recortes de jornais. A tipografia mais simples, que por vezes representa a luta pelos seus direitos, aparece mais no meio do filme, com mais força envoltas na história, datando o filme ou em panfletos da canditura de Harvey Milk: cores vibrantes ou contrastes simples como preto-e-branco, mas com mensagens fortes e diretas como as fontes impressas nos panfletos. Vale a pena notá-los, assim como os cartazes de campanhas nas ruas e até o primeiro palanque de Milk: um caixote escrito "soap", sabão. Uma simplicidade presente desde a abertura onde, além da fonte simples e quase invisível, cores sóbrias em meio a recortes reais de uma época, contam a história de um homem que lutou pela igualdade. Assim começa Milk, história real da vida de Harvey Milk desde a sua chegada a São Francisco, até o seu assassinato, em 1978. Foi o primeiro homossexual assumido a ocupar um cargo público nos Estados Unidos. A tipografia inicial é simples, quase não percebemos a sua existência. Uma falta de legibilidade proposital para ressaltar a importância maior das imagens reais e dos recortes de jornais que são o pano de fundo da abertura. O nome do filme, Milk, aparece logo depois do nome de Sean Penn, que faz o personagem principal. Vi mais de duas vezes essa abertura e só percebi o nome do filme na terceira vez, quando buscava mais detalhes. Logo depois, uma tipografia surge, se apresenta, em branco, grande, forte, potente, estampada sobre o fundo negro, um alto contraste em letras garrafais e fálicas para todos verem: MILK . Perfeito!
• História real sobre a entrevista feita pelo jornalista David Frost com o então presidente do Estados Unidos, Richard Nixon. Com base no jornalismo e na política a sua abertura não poderia ser diferente: uma voz em off começa a narrar o que está acontecendo e se mantêm durante boa parte da abertura. Créditos em tipografia que lembram os grandes jornais e as suas proporções como títulos, linha fina e chapéu com alinhamentos classicamente centralizados, até que o nome dos atores principais aparecerem, Michael Sheen e Frank Langella (respectivamente Frost/Nixon). Estes são os únicos nomes que aparecem em um alinhamento que simboliza oposição, embate. Um para esquerda outro à direita; um mais acima e outro abaixo. Com isso apresenta-se a história: um embate jornalístico e político entre estes dois atores. Corte. A voz em off continua sobre um fundo negro. Corte. Uma válvula de TV aparece em primeiro plano. Corte. Um sinal de televisão falha. Corte. Cenas de um telejornal e seu apresentador narrando fatos. Sobre esta cena se apresenta o filme: Frost/Nixon . Os créditos continuam tendo ao fundo cenas reais em preto-e-branco que são mescladas a cenas do filme coloridas. Aparecem como legendas de jornais ou de telejornais, que às vezes se confundem com as legendas e créditos do filme. Uma clara relação entre a realidade e a ficção em que é apresentado, aos poucos, o primeiro personagem do filme: Nixon. Assim, a apresentação tipográfica se estende até um pouco mais dos seis minutos. Os créditos só terminam quando o segundo personagem é apresentado ao público: Frost. Uma abertura simples, jornalística e politicamente correta.

• Som de um piano delicado, suave e melancólico de fundo. Em branco sobre um fundo negro, letras delicadas, pequenas escrevem: "Berlim, Alemanha". Logo depois, ainda com o piano, uma data: "1995". Aí já se cria alguma sensação. Com esse piano e letras tão delicadas é impossível não se trazer a lembrança do nazismo à mente, tema sempre relacionado à Alemanha. Corte. Um café-da-manhã é minuciosamente arrumado. Simétrico, frio e distante. O piano ainda continua de fundo, para mostrar uma relação entre um homem e uma mulher um tanto quanto fria em um apartamento quase que totalmente branco e clássico. Até que um trem amarelo passa pela janela e o filme acontece. As fontes, créditos, tipografia só voltam a aparecer no final do filme, depois de 1h55min45s, com o mesmo fundo negro, o mesmo piano, em um clima de solidão, delicadeza e com um certo peso de morte. Trata-se de uma história de amor e sobre o nazismo. Talvez, por isso, se assemelhem neste momento com lápides. Aos poucos, enquanto o piano vai tocando sua música triste e carregada de lembranças, o negro com suas letras delicadas apresenta produtores, direção, atores e o nome filme com delicadeza e suavidade como se preparasse o texto para "O Leitor" .
• Teoria do caos, fractal, patafísica, acaso, destino. E acima de tudo: sonho, fantasia e amor. Uma série de botões caem do alto. Possuem várias formas, tipos e cores formando o símbolo da Paramonut e depois da Warner Bros. Por quê? Não dá para contar. Só digo que tem relação direta com as minhas palavras iniciais. Ela, a tipografia não aparece. Créditos iniciais também não existem. Existe um relógio e se inicia, uma bela história, um conto maravilhosamente mostrado em 2h46m que não percebemos passar. Poderia dizer que O Tempo é a abertura do filme. Abertura que só vai aparecer no encerramento e com os mesmos botões caindo do alto. Com cenas que fecham um ciclo e com palavras inesquecíveis. Sobre tipografia? Difícil falar sobre elas. Aparecem no final dando nome ao filme. São delicadas como o filme. Simples e leves porém fortes como o conto. A tipografia mais marcante é a dos números que marcam as horas de um relógio bem particular, o mesmo do início e que também encerra o filme e trabalha de um modo bem curioso. Para entender ou saber mais sobre essa abertura/encerramento que não dá para contar só assistindo ao "Curioso Caso de Benjamim Button" .

• Se existisse Oscar para melhor abertura, entre estes cinco filmes, com certeza esta seria a vencedora. Que também só acontece no final. No início apenas uma pergunta de múltipla escolha é feita ao público. Depois, cenas que se alternam entre o uso exagerado de amarelos, azuis e um balde vermelho. Cores associadas a nervosismo, insegurança, dúvida, medo, angústia e paz. Perceba quando e porque cada uma é utilizada. De repente, um corte. Cores reais, cenas reais, garotos correndo em uma cena extremamente parecida com "Cidade de Deus" - essa similaridade também é clara em outros momentos do filme. Um destes garotos pula com a mão para cima como se fosse vitorioso. Ele está com uma camiseta verde escrito em amarelo "Slumdog Milionaire" . E o filme rola e muito bem. No final, aí sim, um encerramento bem ao estilo videoclipe de Bollywood. É simplesmente perfeito o encerramento. Com um visual e tipografias totalmente indianas, ou que nos levam facilmente a esta associação. Novamente muitos amarelos, laranjas e vermelhos, associados a toques de azuis e violetas com uma pitada de verde. A música é maravilhosa e acredito que ganhe o Oscar de melhor canção e está em perfeita sincronia com o Design e Tipografia. Sobreposições de imagens, ângulos de câmeras, montagens, luzes e sombras bem ao estilo dos tecidos e tradições indianas. As mandalas não faltam e estão representadas por círculos que vez por outra aparecem juntos aos grafismos indianos. A tipografia principal tem um design nota 10: além de possuírem um corpo e forma perfeitos, possuem movimento e se alteram em suas cores. Parece ser brega, cafona? Parece ser uma grande mistura exagerada? Mas como você responderia a pergunta: "Quem quer ser um Milionário?". Acredito que com muito entusiasmo e força. Força que esse filme possui. Entusiasmo que a música de encerramento passa. E então: "Quem quer ser um Milionário?".

Espero que tenham gostado. Queria muito falar dos cinco filmes antes do Oscar. Se puderem vejam e me digam o que acharam, do filme e/ou créditos. Minha opinião é que o melhor filme fica para "Slumdog Milionaire", mas gostaria que ganhasse "Benjamin Button", meu favorito.

Um bom design, uma boa tipografia e bom filme a todos.

Márcia Okida é designer gráfico, vice-presidente da Associação Cultural Vontade de Ver, professora universitária nos cursos de Jornalismo e Produção Multimídia e coordenadora do curso de Produção Multimídia, da Universidade Santa Cecília — UNISANTA
okida@uol.com.br

publicado na revista Zupi -
16/02/2009

segunda-feira, 16 de fevereiro de 2009

O cheiro do Design

Teatro, cinema, música, arte; cores, tipos, formas, sensações...

Tudo isso contém, é, possui ou respira Design Gráfico.

Não sou daquelas designers que não se misturam ou que vivem questionando o que pode ou que não pode ser design. Para mim, Design Gráfico é tudo o que comunica visualmente alguma coisa. E essa “coisa” pode ser transmitida pelo olfato. Sim, o cheiro pode ter relação com o Design Gráfico.

Penso também que essa “coisa”, esse “tudo” que se comunica visualmente, pode ser bom ou ruim, feio ou bonito, estar certo ou errado. Tudo depende do ponto de vista, do público, do objetivo, do mercado.

Nestes meus mais de 20 anos de carreira como designer — e mais 10 como professora universitária — trabalho e acredito que devemos sempre agregar, trocar experiências e informações com arquitetos, jornalistas, publicitários, artistas e até advogados ou micreiros. Micreiros, sim... Por que não?!
Não acredito em tabus, em preconceitos ou pré-conceitos. Já aprendi muito com toda essa gama de profissionais e até mesmo com micreiros. Acho que isso é um dos segredos do sucesso.

Não, não entenda como sucesso ser rico e independente financeiramente. Para mim, sucesso não é isso. O sucesso está relacionado à felicidade e ao equilíbrio espiritual.

Digo sempre aos meus alunos que troquem olhares e experiências. Sempre temos algo a aprender e, principalmente, sempre temos algo novo para olhar, ver e aprender a ver. Mesmo que seja algo visto ou revisto milhares de vezes.

Devemos aprender a ver não apenas com a visão, mas além dela. Assim, estaremos mais aptos a criar, recriar, inventar e reinventar qualquer coisa. Sem barreiras, sem vícios e sem tabus.

Há mais de 10 anos, quando estava começando a lecionar na universidade, no curso de jornalismo, deparei com um — até então — problema: um aluno deficiente visual.

Minha primeira reação foi de dúvida, medo, não sabia o que fazer. Afinal, como ensinaria Design Gráfico de jornal e revista para um deficiente visual? Como ensinar linguagem das cores, dos tipos, das formas? Como falar de fotografia, regras dos terços ou ponto áureo? Caminho do Olhar? Ponto de força de uma página? Capa?

Esta foi uma das primeiras barreiras que quebrei. E fiz isso com muita paixão, vontade de ensinar, de aprender e, devo confessar, com certo medo e receio de não conseguir.

Estive com este aluno, esta classe, por dois anos seguidos. Ele foi um dos melhores alunos na minha disciplina. Tinha sempre uma das melhores notas. Muitas vezes ele se emocionou por conseguir “ver” tudo isso o que acabou de comentar acima e eu por conseguir fazer com que ele aprendesse realmente o que era Design Gráfico de jornal e de revista.

Isso foi há muito tempo, e não foi nada fácil, mas sempre uso de exemplo. Aprendi muito com esse aluno. Aprendi muito com jornalismo, com publicidade, com micreiros, com artistas.
Para trabalhar com teatro resolvi aprender com o teatro, subir no palco e atuar. Para trabalhar melhor com música, experimentei cantar e faço isso há seis anos. Para trabalhar com cinema e audiovisual me envolvo cada vez mais com profissionais da área.

Estou escrevendo tudo isso neste primeiro texto para a Zupi porque acho mesmo que um bom Design, seja ele de que área for, só existe sem preconceitos e sem tabus. Somente existe pela junção, pela soma, pela multiplicidade do olhar nas diversas áreas.

Esta multiplicidade, esta diversidade de olhares, é o que pretendo mostrar aqui em nossos encontros quinzenais ou pelo menos tentar transmitir o aroma, a sinestesia do design. Espero que gostem.

Márcia Okida é designer gráfico, vice-presidente da Associação Cultural Vontade de Ver, professora universitária nos cursos de Jornalismo e Produção Multimídia e coordenadora do curso de Produção Multimídia, da Universidade Santa Cecília — UNISANTA
okida@uol.com.br

publicado na revista Zupi -
06/01/2009
http://www.zupi.com.br/publique/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=3012&sid=6&tpl=view%5Fnews%2Ehtm