quinta-feira, 14 de maio de 2009

Designville

Dessa vez, decidi mudar um pouco de tema, mas sempre falando de design. Vou tratar aqui da forte relação entre a direção de arte para teatro — principalmente da cenografia — e o design gráfico.

Teatro é mais uma das minhas paixões. Por vezes, é também o meu trabalho e, por outras, um grande prazer sem retorno financeiro, mas que sempre acrescenta muito ao meu repertório visual, emocional e cultural.

Decidi por esse tema porque em 27 de abril tivemos a presença aqui em Santos, para a aula magna do curso que coordeno, da diretora de arte, cenógrafa, roteirista e diretora de cinema, Daniela Thomas, que nos brindou com slides de seus cenários para teatro e instalações. Com uma linguagem totalmente multimídia e repleta de design, nós — professores e alunos — pudemos observar o quanto essas duas áreas são próximas e fazem uma troca constante de linguagem e de elementos.

Normalmente, quando falo sobre a relação design/teatro, logo acham que estou falando da criação dos cartazes de teatro, seus folders ou outros materiais impressos necessários para uma produção teatral.
Para mim, essa relação vai além.

Dou uma aula em que comparo a criação de um cartaz com a visão que o público tem de uma cena teatral:

• o fundo, background do cartaz, sua cor, sua imagem, seria a cenografia da peça. Nos dois casos, esse “fundo” é responsável por criar um clima, em dar suporte as histórias contadas, ou aos outros elementos gráficos. Uma cenografia ou um background mal resolvido, pode atrapalhar o entendimento da mensagem;

• a tipografia — o texto — seria o figurino. A roupa de um ator é a responsável por carregar a mensagem que ele vai transmitir de forma visual. A tipografia em um cartaz carrega em suas formas a identidade gráfica da mensagem a ser transmitida;

• a mensagem a ser transmitida no cartaz é a dramaturgia feita pelo ator. Ator que veste o figurino, a mensagem que se veste da tipografia;

• demais elementos visuais como fios, boxes, retículas, mais fotos e demais adereços gráficos seriam os elementos, objetos de cenário. Ambos complementam a mensagem agregando mais informação ao conteúdo que é transmitido;

• e, para terminar, temos no cartaz o tipo de papel, a gramatura, o cheiro, a textura que, sinestesicamente, ajudam a fazer com que a proposta seja completa desde a primeira imagem até o contato com o público no toque dos dedos. No teatro, temos a luz, a sonoplastia, o uso possível de aromas que ajudam na construção psicológica da peça. Mesmo não sendo percebidos — como uma boa sonoplastia que não deve ser percebida de forma consciente ou a textura do papel que nem todos percebem —, sempre agregam informações e afetam a sensibilidade de quem vê.
Essa aula eu denomino de adaptação de linguagem. Nela, eu falo sobre como outros meios de comunicação — ou de expressão como o teatro, o cinema e a música — podem “emprestar” imagens, formas e conceitos ao design gráfico. No final, sempre criamos um cartaz — vendo ou lendo uma peça — ou então criamos uma proposta de direção de arte vendo um cartaz.
No caso do teatro, as possibilidades são múltiplas. A tridimensionalidade da peça — personagens e objetos reais dispostos em um tablado — se transforma em uma imagem bidimensional se analisada do plano do espectador que, mesmo percebendo e sabendo da profundidade ali existente, vê um plano geral formado pelo que chamamos de a quarta parede do teatro — que existe mesmo quando uma montagem teatral trabalha com a quebra dessa parede, ou seja, com a não-existência do limite ator e público.

Entender cada objeto, cada figurino, cada som, a luz, cada elemento da cenografia como um elemento gráfico, é um exercício de adaptação de linguagem. O bom entendimento dessas duas formas de representação — teatro e design — só faz agregar mais possibilidades de ver e, principalmente, de sentir, já que no teatro os sentidos estão mais presentes. Já no design poucos sabem usar os sentidos na criação gráfica.

Agregar uma possibilidade de som, aroma e textura em um projeto gráfico faz com que no final o seu espetáculo mereça muitos mais aplausos. Experimente na próxima peça fazer esse exercício para o seu olhar e sensibilidade.

Márcia Okida é designer gráfico, vice-presidente da Associação Cultural Vontade de Ver, professora universitária nos cursos de Jornalismo e Produção Multimídia e coordenadora do curso de Produção Multimídia, da Universidade Santa Cecília — UNISANTA
okida@uol.com.br

publicado na revista Zupi -
13/05/2009